Ainda estamos longe do Halloween, mas qualquer prosa que diga respeito ao “Diabo no fundo da sala”, nos remete a todo um universo de travessuras e gostosuras. Afinal, enchemos a boca d’água só de imaginar o personagem principal do romance, o endiabrado Pedro Henrique Braden. (Suspiros. Ui.).
O menino é realmente a peste encarnada e quem sabe, já sabe, que ele deixa Anna Florença, sua professora de Literatura, completamente desnorteada. Explica-se. Primeiro, nosso anti-herói nada tem de menino. É um homem maior e vacinado, batendo suas vinte e duas primaveras (eu falei da idade, viu, Amora?); mais de um metro e oitenta, cabelos loiros afogueados e dois olhos verdes de tremer Paris. Ah. E um sorriso de derreter Los Angeles. É um ne-gó-cio! Causa um calor “nos trópicos” que vamo por respeito. Saiba mais sobre o "avatar” do personagem, aqui. Mas pode olhar as fotos e babar por aqui mesmo:
A gente entende à perfeição as emoções de Anna Florença. Presa numa teia de chantagem e sedução, tem mais é que se sentir queimando nas caldeiras do inferno. Quem não, né? Ou melhor... quem dera. Eu, particularmente, acho a cena da igreja a mais endiabrada e calorenta do romance. Bora lembrar um trechinho? Segura, Amade:
“Sua brincadeira com Pedro Henrique, seu breve e intenso interlúdio erótico terminava ali: com aquele brinquedo sem graça e sem sentido, que atiraria no lixo, assim que chegasse no banheiro dos professores. Ridículo! Mas, a poucos passos da porta, Pedro chamou sua atenção.
– Você tinha duas perguntas, professora! Ainda não respondi a segunda...
Voltou-se de novo. A ironia desaparecera de seu rosto. Restava um leve enfado, misto de irritação e desapontamento. Encarou-o, aguardando a resposta, com a mão pousada na porta.
– Tenho certeza que você não sabe... – Pedro continuou – Mas nenhum ponto da estrutura interna do Santo Ignácio, está além de cem metros de qualquer ponto no interior desta capela. Não é incrível?!
– Sério?!– ela zombou. – Nooossa! Me amarrota, Braden, porque eu tô passada! Como é que vivi até hoje sem essa informação?!
– Viu? Sem mim, a sua existência seria insípida. Um enfadonho e cansativo anoitecer...
Anna Florença meneou a cabeça em uma negativa compulsiva. Uma sirene de perigo começara a soar, loucamente, dentro dela. Tinha alguma coisa ali. Com Pedro nada era simples! Olhou para a ponta dos pés. Burro ele não era. Além do que, mesmo desbragadamente inteligente, super gênio da física e astro midiático, Pedro também era cruel e cínico. Havia alguma coisa pairando no ar e se arrependeria, amargamente, se não alimentasse o roteiro cinematográfico que ele mesmo montara. Voltou o rosto e perguntou:
– Tá bom, Pedro! Por que é importante eu saber disso?
Os olhos verdes se estreitaram. Ele pegou o próprio celular. Ergueu-o para que ela o visse. E respondeu:
– Porque esse é o alcance do meu bluetooth, meu bem!
A vibração aconteceu de um segundo para outro. Uma onda intensa, sem precedentes e sem preâmbulos, irradiou-se pelas paredes de sua vagina. O anel interno girou, pressionando seu ponto “G”. E vibrou, alucinadamente, espalhando uma corrente que descia pela cauda e alcançava seu clitóris, na outra ponta. As sensações foram tão fortes, que Anna Florença vergou os joelhos. Precisou segurar-se na porta da capela, para não cair. Sem se ater a onde estava, gritou:
– Pedro!!!!
Sentado calmamente na cadeira do ministro, aos pés da cruz, Pedro Henrique a observava se contorcer e espasmar, a poucos passos da saída.
– Burn, Baby...! Burn!* – ele sibilava.
Quando ela estava prestes a ter um orgasmo, ele delicadamente deslizou o dedo na tela Touch Screen... e diminuiu a intensidade da vibração. Contemplou Anna Florença respirar fundo, passar as mãos débeis pela fronte suada, pelos cabelos, pela boca... Deixou que ela respirasse, que se aprumasse. Que se erguesse. E, então... começou tudo, outra vez: a vibração intensa e ensandecida explodia dentro dela.
– Para! Por favor, Pedro, pelo amor de Deus, para...! – gritou.
Ele não a atendeu. Torturou-a um pouco mais, apenas diminuindo a intensidade das vibrações.
– Onipotência, onisciência, onipresença. – a voz zombeteira ecoou límpida pela igreja. – Como você pode ver, não é difícil brincar de Deus...!
Finalmente, com um gesto afetado, Pedro desligou o aparelho.
Anna Florença voltou para ele dois olhos marejados. O coração mal cabia no peito. Com a respiração ofegante, compreendeu que em momento algum tivera qualquer poder naquele jogo. Desde o princípio, ele era o dono das cartas, das regras e do próprio cassino. Capaz de um sadismo ainda mais atroz, Pedro encerrou a sessão de tortura colocando nas mãos dela o destino dos dois:
– Deus não está aqui, Anna Florença, mas eu estou. Pode ir. Vá exercer o seu livre arbítrio. Se decidir parar de ser hipócrita, sabe muito bem a onde me encontrar. Só não se esqueça de quais são os meus termos.”
Bom, não foi por acaso que intitulei o romance de O diabo no fundo da sala. Pedro Henrique Braden, o aluno que se senta na última carteira, congrega boa parte dos atributos que nossa sociedade atribui ao Tinhoso: maledicência, megalomania, cinismo, inteligência, mentira, sensualidade, sexualidade exacerbada... Também não é por acaso que o arcano de tarô que se refere aos relacionamentos intempestivos, cheios de paixão, desconfiança e desejo é, justamente, O diabo.
Conforme já falamos em outra prosa, vem de longe a correlação entre diabo e sexo no imaginário da sociedade ocidental. Tem História. Em primeiro lugar, precisamos lembrar que a ideia de uma entidade que representa o "mal absoluto”, é cristã. Ela vai tomando forma na medida em que os dogmas do cristianismo são elaborados e desenvolvidos pela filosofia patrística, ou seja, os escritos dos primeiros padres. Da mesma forma, a relação entre diabo e sexo deriva desses escritos, pois serão estes os primeiros a justificar o domínio masculino na Igreja. Confuso? Calma.
Ocorre que a Igreja Católica tem uma espécie de marco de nascimento institucional. Data, exatamente, de 325 d.C., com a realização do Concílio de Niceia. Foi neste Concílio que os princípios dogmáticos e políticos da Igreja receberam sua primeira sistematização. Também foi aqui que se negou o sacerdócio às mulheres e a consequente participação feminina nos rumos do catolicismo. Ora, e como justificar a exclusão das moças? Através dos escritos da filosofia patrística que ligavam a mulher ao “mal absoluto”. O diabo.
Dentre as pérolas que pavimentaram o caminho sexista da Igreja, encontra-se a obra de Tertuliano de Cartago, minha preferida. Escrevendo um século antes do Concílio de Niceia, no século III, Tertuliano foi o primeiro a ligar o diabo ao sexo. Mais especificamente ao sexo da mulher. Para ele, o “mal” personificado pelo diabo entraria no mundo através da vagina, uma vez que a mulher “pecadora” havia ludibriado o “filho de Deus”. (O paspalhão do Adão que, de tão frouxo pediu pra Deus lhe dar outra mulher, Eva, porque não deu conta da Lilith, sua igual. Depois a gente fala dela, I promise). Assim, Tertuliano justifica a submissão feminina e até as dores do parto à uma sentença divina, pois seria a mulher “a porta” de entrada do diabo na terra:
Tu dás à luz na dor e na angústia, mulher, sofres a atração do teu marido e ele é teu senhor. E ignoras que Eva tu és? Está viva ainda, neste mundo, a sentença de Deus contra teu sexo. Vive como impõe, como acusada. És tu a porta do diabo. Foste tu que quebraste o selo da árvore; foste a primeira a deserdar a lei divina; foste tu que iludiste aquele que o diabo não pode atacar; foste tu que tão facilmente venceste o homem, imagem de deus. Foi tua paga, a morte, que causou a morte do próprio filho de deus. (citado por: ALEXANDRE, 1990, p.511).
Estes primeiros escritos, elaborados para justificar o poder masculino e a estrutura patriarcal da sociedade que se organizava, rapidamente evoluíram para creditar às mulheres também a criação dos demônios. E pasme você, estes teriam nascido da união lúbrica, portanto sensual, entre anjos e mulheres. Pelo menos foi o que disse o nosso já conhecido Tertuliano, pavimentando o caminho para colar no diabo o DNA do erotismo:
O pecado do Diabo, portanto não foi o orgulho. O pecado do Diabo foi a luxúria. Demônios e diabos foram criações da união sexual entre anjos lúbricos e mulheres [...] Justino, martirizado em Roma em 165 d.C., explicou que alguns anjos violaram a ordem apropriada das coisas, cederam a impulsos sexuais e tiveram relações sexuais com mulheres cujo os filhos são demônios. (citado por: LINK, 1998. p 35).
Eu, por mim, acho que o problema do Tertuliano era uma sexualidade reprimida e mal resolvida. Em algum lugar da vida do pobre, apareceu um “anjo lúbrico” que lhe deu um perdido e o deixou por uma mulher. Arrivismo e dor de cotovelo. Sério, é o que eu penso. Afinal, depreende-se da fala que se os anjos não tivessem transado com as mulheres, nada de demônios.... De qualquer forma, as desventuras afetivas de Tertualiano pouco importam. Fato é que seu pensamento infelizmente, floresceu. Cresceu no pântano podre da violência, do sexismo, do preconceito e do machismo e se tornou uma das prédicas do moralismo cristão. Parido pela mulher, parte anjo, parte pecador, o diabo se transformou em símbolo da sensualidade, do sexo e dos excessos. Não é à toa que, quando estamos “enfiando o pé na jaca”, a musa popular adora lembrar que “estamos como o diabo gosta”. Eita.
É claro se existisse “e se” na História humana, se a sexualidade não tivesse sido reprimida em função de um projeto de poder, milhares de vidas femininas não teriam sido ceifadas, nossos saberes ancestrais não teriam sido perseguidos, nossa sexualidade não teria sido proibida. Mas, não existe “e se” no processo histórico. Porém, a roda da vida e as transformações sociais seguem, dia após dia e delas nós, todes, somos sujeitos. Lutar por um mundo mais justo e mais humano, no qual todas as pessoas sejam respeitadas, também significa lutar pelo direito inalienável de exercermos a nossa própria sexualidade, da maneira que julgamos conveniente. Assim, gostaria de encerrar a prosa de hoje, desejando à todes um diabo travesso e muito do gostoso! E que ele lhes proporcione, é claro, MUITO PRAZER...
Beijooooooo da Rosa.
E até a próxima prosa.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Monique. Do anúncio do reino à igreja: papéis, ministérios, poderes femininos. In: DUBY, G; PERROT, M. (org.). História das mulheres no Ocidente. Porto: Afrontamento, 1990.
DELUMEAU, J. História do medo no Ocidente: 1300-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
LINK, Luther. O Diabo: a máscara sem rosto. Editora Cia. das Letras, 1998.
NOGUEIRA, Carlos Roberto F. O diabo no imaginário cristão. São Paulo: Ática, 1986.
* Queime, Baby...! Queime!
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