Quantas palavras seriam necessárias para descrever minha humilhação, neste momento em que mais uma vez, me arrasto até sua casa...?
Mas... ele não me convida para entrar. Me deixa parada, entre o corredor e o caos de uma sala cheia de livros, papéis e tocos de cigarro. Oferece à minha observação o corpo perfeito, coberto apenas por um jeans desabotoado, dançando lascivo nos quadris. Ele sabe que é belo.
Também sabe que a minha chegada pouco tem a ver com a sua beleza. Por isso, me tortura com um meio sorriso e um escrutínio cheio de ironia.
_ Olha só... Apareceu a margarida!
Ergo os olhos. Em outras circunstâncias, eu entenderia seu sarcasmo. Não neste momento. Estou ferida demais para entender que chegamos no limite. E aquilo que chamo convenientemente de “amizade”, há tempos transbordou em outra coisa.
_ Não vai me convidar para entrar? _ pergunto. Engasgo... quase a beira das lágrimas!
Ele não responde. Ondula até sua prancheta de desenho, esparrama no chão uma pequena pilha de projetos e pega um banquinho alto. Crava-o ostensivamente no meio da sala. Só então, se volta para mim e, pela primeira vez, me dá uma ordem:
_ Entra e fecha porta.
Obedeço. Arrasto os pés pelo tapete e o observo dar duas batidas no banco. Depois, se joga no sofá. E, mais uma vez, ordena:
_ Senta.
Meus seios reagem. Os bicos ficam túrgidos. A sensação de abrasamento começa a se alastrar.
Obviamente, ele me atrai. Se não me atraísse, não ostentaria o título de meu pau amigo. No entanto, jamais reagi a ele como estou reagindo hoje... agora.
Eu me assento no banquinho. Coloco a bolsa no chão e empertigo as costas. Apoio as pontas dos pés no tapete, espalmo as mãos nas coxas e junto os joelhos. A posição me força a projetar os seios para frente, de um jeito que claramente o agrada. Nossos olhos se encontram. E posso ler naquele mar esverdeado uma mistura quase alucinada de sentimentos: raiva, dor, alegria, desejo...
_ Ele não te comeu, não é?
Preciso abaixar os olhos e respirar fundo. Se ouso responder em palavras, posso desabar na frente dele. Então, eu nego, dolorosamente, com um movimento da cabeça.
À minha negativa, outra ordem:
_ Tira a blusa.
É uma blusa de frio. Cinza, como meu estado de espírito. Foi a primeira que encontrei, quando cheguei em casa, arrasada, e decidi ir chorar minhas mágoas na sua cama. Deixo a peça cair no chão. Ele não olha. Seu interesse é o vestido cor de rosa, que a blusa ocultava.
_ Vestido novo. _ observa, malicioso. _ Esse eu não conhecia.
Preciso rir. Preciso me recusar a acreditar que ele conhece mais de mim, do que eu mesma lhe dou a ver.
_ Você fala como se conhecesse "todas as minhas roupas"! – tripudio, tentando ser impertinente e desautorizá-lo com uma ironia quase infantil.
Mas ele responde, de pronto, com a voz baixa, numa ira mal disfarçada:
_ Conheço cada peça. Inclusive as suas calcinhas. Perdeu a conta das vezes em que te ajudei a arrumar seu quarto?
Touché. Sim, ele conhece minhas roupas. Inclusive as minhas calcinhas...
Desta vez não me ordena. Mas também não precisa. Ergue o pé e, com um gesto simples, coloca-o entre os meus joelhos. Força minhas coxas e abre minhas pernas.
_ Abaixe a calcinha.
Meus ouvidos estão zunindo. Minha respiração está começando a ficar entrecortada. Obedeço...
Apoio os pés no chão, ergo ligeiramente os quadris e puxo a peça com os dedos.
_ Tá bom. Deixa ela aí.
Volto à posição original. Mãos espalmadas nas coxas, agora com as pernas abertas e a calcinha sobre os joelhos. Evito olhar para ele. Fixo um ponto qualquer no sofá desbotado, como se daquilo dependesse minha própria sobrevivência.
_ Ele era importante pra você?
_ Era. – sussurro.
_ É... devia ser mesmo. Você demorou a aparecer, desta vez.
Ascende um cigarro. Por menos que eu deseje olhar, o fio é hipnótico. Sempre o considerei charmoso, fumando. Mas agora...aboletado no sofá, só de calça jeans, braço apoiado no joelho, tão... “largado” à benevolência da natureza, ele está... estupidamente belo.
E “estupidamente” belo, continua o interrogatório:
_ Onde você achou esse? No mesmo buraco que os outros?
_ Sim...
Espasma o corpo numa gargalhada debochada. E me critica, me estoca, me espeta, me destrói:
_ Mas só você pra acreditar que vai encontrar um homem decente num lugar como este! Eu fico impressionado...! Como é que uma mulher se presta a esse tipo de papel? Será que você não se cansa?
Ele não prossegue com as acusações. Súbito, sem preâmbulos, interrompe o falatório. Percorre meu corpo com os olhos. Traga e solta vagarosamente a fumaça do cigarro. E, mais uma vez, me ordena:
_ Tira o vestido.
Também obedeço. Ergo os dedos e, trêmula, desabotoo o vestido de seda rosa. A peça se abre. Revela o sutiã de renda e a calcinha arriada até os joelhos. Ergo os quadris para puxar o tecido e, como a blusa cinza, deixo cair no chão.
Diferente da blusa, neste ele tem interesse. E num movimento rápido, apanha o vestido. Com outro movimento, tão rápido quanto o primeiro, se inclina, abre a gaveta da mesinha, ao lado do sofá, e tira de lá uma tesoura. Antes que eu possa impedi-lo, picota o vestido, reduzindo-a a um sem fim de tiras cor de rosa.
_ Enlouqueceu?! Você enlouqueceu de vez?! – saio da minha posição estoica e grito, sem conseguir, contudo, impedi-lo.
Em resposta, me olha de esguelha. Cigarro no canto da boca, a tesoura sendo calmamente recolocada na gaveta.
_ Você sabe por que ele não te comeu? – retruca com a voz macia, como se a destruição do meu vestido fosse menos que um ato humano corriqueiro, indigno de comentário.
_ Porque não gostou do modelo de vestido e, por isso, você resolveu picá-lo?! _ reajo impaciente. E ele me sorri.
_ Não. Tente outra vez.
Respiro fundo. Dou por perdido meu vestido e me rendo ao inquérito psicológico que ele se dispõe a fazer comigo.
Amassa o cigarro no cinzeiro. Desliza do sofá para o tapete. Se ajoelha à minha frente. Pousa as mãos em meus joelhos e, vagarosamente, vai puxando minha calcinha para baixo.
_ Hum? Tenta... Por que?
_ Porque... eu estou gorda? – murmuro.
A risada sai abafada por entre minhas coxas.
_ ... Não. Tenta de novo.
Abro ainda mais a pernas. Ergo os quadris e me ofereço à sua boca. Sua língua brinca entre meus pelos... A boca, inteira, se apodera do meu clitóris e ele começa, sofregamente, a me sugar.
_ Porque... porque... ele ficou com medo de se envolver... E...se apaixonar e...
Uma leve pausa. E uma resposta breve:
_ Não!
_ Então... porque... _ fecho os olhos, atarantada, sem norte! Não é possível pensar sob tortura. Não é possível ter uma sequência lógica de raciocínio, sendo acariciada daquele jeito... de um jeito... que, meu Deus... que delícia! _ Eu não sei! Porque ele tem outra? Porque ele é gay? Eu não sei, droga! Por que?!
A sequência de gestos é rápida: ele ergue a cabeça. Me puxa para o chão, para cima dele. Depois rola o corpo. Me deita. Afasta minhas pernas com os joelhos e prende meus braços acima da minha cabeça. Olha dentro dos meus olhos. Um meio sorriso brilha entre os lábios, róseos como os pedaços do meu vestido. Finalmente, responde à pergunta que é, para mim, também um enigma:
_ Ele não te comeu, porque é um babaca!
A boca perfeita desce sobre a minha. Entrelaço com prazer a minha língua na dele. Fecho os olhos. E, enfim, me rendo à verdade óbvia de que ele é qualquer coisa. Menos meu pau amigo...
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