Olá, leitores e leitoras, com certeza os mais amad@s do Brasil!
Ando meio sumida do Blog. Mas a razão é boa. Depois da paixão avassaladora que me uniu aos queridos Pedro Henrique e Anna Florença, protagonistas de O diabo no fundo da sala, estou imersa, verdadeiramente "afogada" na produção do meu próximo romance, Lalla!
Preciso confessar que custei um pouquinho a "achar a mão". Não foi fácil encontrar "a história". Para falar a verdade, entre estudo de personagens e construção de argumento, eu devo ter produzido bem uns cinco caminhos diferentes! E nenhum deles me agradava! Mas hoje, justo hoje, que é o "dia do poeta", eu achei! Meus novos "meninos" se encontraram comigo e qual num soneto do Vinícius, "de repente, não mais que de repente" tomaram forma e me contaram do seu encontro, na distante e misteriosa Ishthar.
Como boa ouvinte e escriba dedicada que sou, venho aqui dividir com vocês parte da longa trajetória de Ilynna Fonseca, a intrépida restauradora que protagoniza a história. Com vocês, Lynna, a poderosa "Lalla"!
1.
Belo Horizonte, MG. Brasil.
A Doutora Ilynna Fonseca possuía muitos atributos. E todos dos quais se orgulhava, estavam devidamente estampados no seu Currículo Lattes, com acesso público na plataforma online do CNPq. Quem se aventurasse a bisbilhotar sua experiência profissional, naquilo que ela definia em tom de chacota como “o Orkut da Academia”, descobriria que ela estava longe de ser uma pesquisadora comum. Aliás, não poderia se dizer, nem mesmo, que se tratava de uma mulher comum!
Todavia, o trio de homens que aterrissara no “Bar do Vô” para um Happy Hour, dispostos a “dar um tempo pra cabeça”, não tinha a menor ciência disso. Muito à vontade no papel que o machismo patriarcal lhes atribuía, distribuíam gracejos grosseiros, sem dó nem piedade, a qualquer mulher que passasse próxima à mesa montada na calçada. Por isso, ao perceberem que o piloto da moto potente, que estacionava próximo ao bar, era uma mulher, já se alvoraçaram.
Os homens aprumaram seus corpos nas cadeiras. Observaram obcecados a moça retirar o capacete e liberar uma cascata de cabelos escuros. Quando ela passou por eles, rebolando um derrière[1] digno de nota, não tiveram dúvidas. Disparam o clássico:
– Aôooooooo saúde!
Ilynna sentiu os pelos do braço eriçarem. Ela ficou possessa. Mas não fez nada. Como estava atrasada, apenas voltou o rosto para encarar, com dois olhos azuis homicidas, “a prova cabal da escrotidão masculina”. O olhar foi tão aterrador, que os homens se encolheram em suas cadeiras e fingiram conversar.
Dando-se por satisfeita, ela seguiu em frente e entrou no Espaço do Equilíbrio para sua sessão semanal de terapia.
No consultório, se entregou a uma narrativa fastiosa que tentava correlacionar sua recusa a relacionamentos afetivos com a raiva monstruosa que ainda nutria por Dimitri. Por respeito aos diplomas e à benevolência do Pires, seu terapeuta, pela terceira sessão seguida estava tratando daquele tema. No entanto, a certa altura, ela e o terapeuta “se estranharam”. Ilynna bateu a mão na coxa e colocou um ponto final na elucubração inglória:
– Olha, cansei! Chega disso! Eu detesto o Dimitri porque ele é um assassino. Eu tenho preguiça de homens porque eles são imbecis! É simples assim! Uma coisa não tem nada a ver com a outra! E tem mais: eu te garanto que se eu tivesse tido a felicidade de ter nascido lésbica, a minha vida sexual não seria esse vazio sem fim!
E o Pires, com aquela placitude que lhe dava nos nervos, retrucara:
– Certo. Já falamos sobre isso, sobre a sua heterossexualidade. Mas Dimitri também é homem, não é? E ele? Como você o vê? Ele também é um imbecil?
A pergunta tinha sido um gancho de esquerda. Ilynna chegou a desviar o rosto, para tentar sair da saia justa. Mentalmente, deu todos os créditos possíveis à sagacidade do Pires e reconheceu que ele fazia jus a cada um dos diplomas que ostentava na parede. E, já que estava pagando, e caro, por aquela hora e meia de autoflagelação, moveu lentamente a cabeça e numa negativa, concordou com o raciocínio insidioso que o terapeuta seguia:
– Não. Se tem uma coisa que ele não é, é imbecil.
– E como você também não é imbecil, é razoável supor que existe alguma coisa que te aproxima do Dimitri e que alimenta a sua raiva. Já pensou sobre isso? No que vocês tem em comum?
Desta vez Ilynna não respondeu. Aquele era seu limite. Encerrou ela mesma a sessão e se levantou.
Disse que iria pensar e decidiu ir embora. O Pires, como sempre, só concordou. Porque, enfim, via naquele senso de urgência uma fuga eloquente de um assunto que, é claro, a incomodava profundamente.
– Certo. Semana que vem, na mesma hora?
Assentiu com a cabeça e saiu chutada do consultório. Aquele era, de fato, o problema maior da sua vida e o que a levara ao consultório do Gilberto Pires. Por isso queria correr, queria suar, queria dirigir em desabalo, queria zunir a moto pelas ruas de Belo Horizonte até que aquela pergunta incômoda se diluísse dentro dela! E faria exatamente isso, se a trinca de bêbados não tivesse alargado a confiança e, ostensivamente, a assediado de novo!
– Gostooooosa! Vou te cravar a vara, bem!
A alguns metros da própria moto, Ilynna se voltou. Primeiro ficou parada, cabeça inclinada um pouco para o lado, estudando-os cuidadosamente. Observou, inclusive, que o mais abusado trazia uma arma na cintura. Não demorou no escrutínio atencioso. Na verdade, gastou pouco mais de três segundos para estudar o terreno, a distância, as luzes, os alvos, e tomar cada uma das decisões que se seguiram, calculadamente, em sequência.
Ilynna caminhou na direção da mesa, olhos fixos naquele que lhe dirigia os gracejos. Registrou que todos se divertiam com seu retorno. Quando eles se preparavam para um novo comentário, ela prensou a cabeça do primeiro contra a mesa, batendo violentamente sua testa no tampo. Socou o segundo, imprimindo um cruzado certeiro no queixo. Com os dois fora de combate, puxou a cadeira sobre o qual o terceiro descansava os pés. Sentou-se. Desferiu um golpe no alto do seu estômago, com a base mão direita. Puxou o revólver que ele trazia na cintura, mal disfarçado pela camisa ensebada. Engatilhou. Apontou-o diretamente para a sua genitália. Subiu a mão esquerda e envolveu sua nuca. Trouxe-o para mais perto de si. E disse baixinho:
– Você quer brincar comigo?
O homem tremia. Erguia as mãos em sinal de rendição, colocando-as de frente para o corpo. Lutava bravamente contra a ânsia de vômito, que subira do estômago para a garganta. Urinou-se. Chorou. E soluçando, implorou:
– D-dona... p-p-pelo...a-amor d-d-de D-deus... eu... t-tenho f-família! Te-tenho família!
Calmamente, Ilynna apoiou as costas na cadeira em que estava sentada. Abriu o cilindro do revólver e depositou as balas sobre a mesa. Pegou uma. Colocou-a diante dos olhos dele. Depois, rodou o cilindro e travou-o, com um tapa seco dos dedos.
– Presta atenção, babaca. Eu venho de um lugar, onde as pessoas gostam muito de brincar com armas. E existe uma brincadeira, que aliás eu gosto muito, que eu tenho certeza que você vai gostar! – mais uma vez ela encostou o cano do revólver na genitália dele. Inclinando o corpo para frente, barrando completamente a visão de quem quer que os observasse, ordenou: – Repete!
Ele continuava soluçando. Soluçava compulsivamente, movimentando a cabeça, tremendo o queixo, o corpo, as pernas, as mãos.
– R-re-p-pe-te o... q-quê? O q-quê?
– Repete o que você me disse.
Ele negou. Girou a cabeça.
– D-desculpa! D-desculpa, d-dona! Pelo amor de Deus, Dona! D-desculpa!
– R-e-p-e-t-e.
– G-g-g-os-tosa?
Ela apertou o gatilho. Um clic seco denunciou que a arma foi disparada, mas não havia bala na agulha. O pavor que o homem sentia era tanto, que o grito de alívio não passou de um gemido. Ela insistiu:
– Oooops! Eu quis dizer da primeira vez! Foi mal...
– Eu não me lembro! Dona, pelo amor de Deus, eu não lembro... – ele girava negativamente a cabeça, em prantos.
De novo, Ilynna apertou o gatilho. Outro clic seco. Outra vez, um disparo abortado pela falta de bala.
– D-de-delí-cia? De- de... s-a- saúde! Que q-que s-a-aúde! Eu disse, q-que saúde! P-p-elo amor... d-de... D-eus...
Satisfeita com a confissão, ela subiu a arma para a têmpora. Pressionou o cano contra a testa dele. Chegou-se ainda mais perto. Perguntou:
– Você acha que uma mulher, andando na rua, é obrigada a ouvir esse tipo de coisa? Você acha isso bonito? Você acha que isso é elogio?!
– N-não! Não! Não é n-não...!
– Muito bem, Pluto! Agora vamos ao exercício de fixação! Complete as lacunas pra mim: você fez isso porque você é um ba...
– ...baca! Eu sou um babaca, dona! Pelo amor de Deus! Eu sou um b-babaca!
– Ótimo! Você acabou de ganhar um 6!
Ilynna se levantou. Colocou a arma no cós da própria calça e caminhou na direção de sua moto. Enquanto andava, tirou o celular do bolso da jaqueta de couro. Apertou a tecla que direcionava a ligação para o Pires. Com o celular na orelha, ergueu os dedos da outra mão e observou a bala contra a luz do poste. Era a mesma que separara das demais, mas não colocara de volta, no tambor. Deixara-a entre a palma e o cabo. Quando o Pires atendeu, ela disse:
– Dimitri e eu somos quase iguais. A diferença, é que eu não sou uma assassina!
Desligou o celular e subiu na moto. A Suzuki Hayabusa preta, de raios prateados, roncou o motor potente. Pouco depois, parou diante do bar. Alguns homens saíam de dentro do boteco, uns rindo dos dois bêbados “apagados” na mesa, outros atentos ao terceiro que, todo molhado de urina, olhava de olhos arregalados a mulher que voltara, de couro e salto alto, montada na moto preta. Renildo dos Santos teve certeza de que ela iria sacar a arma e matá-lo, ali mesmo, na frente de todos. Porém, o que ela fez, foi jogar a última bala no chão, aos seus pés, e lhe endereçar um gesto obsceno, com o dedo do meio da mão esquerda.
Quando a moto saiu zunindo pelas ruas de Santa Tereza, levando o perigo com ela, Renildo vergou o corpo e vomitou tudo o que tinha dentro do estômago, bem no meio da calçada!
[1] Traseiro.
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Beijooooooooos, da R.M. Ferreira
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